Quem conhece a Clécia, não haverá de discordar de mim. Apesar de
ser uma pessoa alegre, de boa índole, prestativa e confiável, é de
uma ausência absoluta de beleza. Na verdade, há quem diga que a
feiura lhe foi confeccionada sob medida. “Feia com arte!”, para
usar uma expressão de meu pai. Tenho certeza que vocês nem podem
imaginar como pode alguém personificar a feiura tão bem quanto
Clécia. Ou melhor, acho que talvez vocês já estejam até fazendo
um desenho imaginário da dita cuja.
Haja visto que ainda não dei nenhum detalhe específico de suas
medidas, cor dos olhos, tipo de cabelo, formato do rosto etc., cada
um de vocês, possivelmente, tem usado seus parâmetros pessoais para
estabelecer o que eu tenho chamado de “desenho imaginário” de
Clécia.
Pois bem, vamos conjecturar um tanto sobre estes tais “parâmetros
pessoais”. A pergunta é: até que ponto eles são pessoais? A
resposta desse questionamento poderá ser pensado a partir de outros
como “quem definiu o que é belo e o que é feio?”ou “qual o
padrão de beleza?”.
Apesar de Historiador, não irei agora encher este texto com detalhes
sobre a variação do padrão de beleza ao longo da História. Todos
somos conscientes que “belo” e “feio” são conceitos
construídos e reconstruídos por cada sociedade numa variação de
tempo e de espaço. Se, em 1817, a bordo da nau que a trazia para o
Rio de Janeiro afim de se casar com D. Pedro, Leopoldina foi
aconselhada por seu médico a engordar um pouco para se ajustar ao
padrão de beleza dos brasileiros, hoje é a “moda” é bem outra.
Mas não preciso recorrer a exemplos escondidos no que restou de seus
livros de História do tempo de escola. Não se faz necessário.
Basta lembrar como nossas avós adoravam dar conselhos sobre estética
e saúde. A minha dizia, “esse menino precisa engordar um
pouquinho, tá muito magro, tá feio”! Devo confessar que eu era o
famoso “canela e osso”... Mas, voltemos ao que interessa. Hoje,
há um verdadeiro “coro” de exaltação à magreza. Isto para
ficarmos apenas no quesito “peso”. Muito ainda se poderia falar
se fôssemos discorrer sobre aqueles outros pontos que citei no
início do texto.
Voltemos a falar de Clécia. Ela não existe, eu a inventei. Mas caso
ela fosse real, sei de pessoas que sem dúvidas a consideraria
encantadoramente linda, minha filha, seu filho, nossos pequenos.
Vocês já pararam para pensar como estes conceitos estéticos são
vistos de maneira singular pelas crianças? É tudo mais simples,
mais verdadeiro! Quem é bom, é lindo! Quem é mal, é feio! E
pronto! Não tem rodeios. E ai de quem tentar questionar o julgamento
que elas fazem.
Se Vinícius dizia que “beleza é fundamental”, o jargão popular
vai além: “quem ama o feio, bonito lhe parece”.
Agora que pretendo terminar estas breves reflexões, talvez alguém
possa se perguntar o que me motivou a escrever sobre este tema? Serei
direto. Minha filha não aceita o fato de que eu considero o Neymar
feio! Fazer o quê? …é como eu disse “[...] E ai de quem tentar
questionar o julgamento que elas fazem”.
Obs: quem se interessar em conhecer um pouco sobre a variação do conceito de beleza ao longo da História, poderá ler um texto interessante que encontrei na ed. 25 da Revista da Cultura. Eis o link: <http://www.revistadacultura.com.br:8090/revista/rc25/index2.asp?page=beleza_tempo>.