Em outubro de 2008 eu escrevi este texto e tive a oportunidade publicá-lo nos jornais O IMPARCIAL, DIÁRIO DA MANHÃ e ATOS E FATOS. Como a discussão me parece bem atual... tomo a liberdade de publicá-lo aqui. (Fiz questão de publicá-lo sem fazer alterações... está tal qual foi escrito na época)
Eis...
Pergunto-me se ainda é válida, em tempos atuais, a velha máxima de
que se conhece uma pessoa pela primeira impressão. Temo pela
resposta afirmativa. Será que tenho estampado no rosto algo que
denuncie a minha incapacidade em escolher em quem votar? Digo isto
porque não me conformo com a odisséia que tem sido, em cada dia de
eleição, a minha caminhada à Zona Eleitoral. Foi numa dessa que me
fiz, pela primeira vez, a indagação: “tenho cara de quem não
sabe em quem votar?”. Um oceano de mãos empunhando “santinhos”
separava minha casa da cabine de votação.
Tempos depois, essa inquietação foi ficando mais séria. Dei-me
conta de que todos aqueles rostos de “ilustres desconhecidos” não
eram só para mim. Bastava ver as ruas ao final do dia. E agora,
“será que tanta gente assim aparenta não saber em quem votar?”.
Conversando recentemente com um amigo do “mundo da política”,
ele me disse que para um vereador se eleger numa cidade como São
Luís era preciso ter muito dinheiro pra gastar. Pensei em segredo
“para gastar com santinhos”. Mas então, porque investir tanto de
dinheiro na produção destes? Deve haver algum retorno, em votos (é
claro!!!). Fiz o dever de casa. Parti para a mais utilizada
ferramenta de pesquisa dos últimos tempos... a internet. Nas minhas
poucas horas de navegação pelo Google não encontrei um artigo
sequer que apontasse consenso em relação à capacidade dos votos de
última hora decidirem uma eleição. Aliás, um artigo da Jornalista
Daniela Dariano, do Jornal do Brasil, traz a opinião de David
Fleischer, Cientista Político da Universidade de Brasília, que
afirma ser muito raro que este grupo seja capaz de “virar o jogo em
eleições”.
De qualquer forma, supondo que fosse unânime o poder de decisão dos
votos de última hora, uma realidade mais preocupante salta de dentro
de minhas reflexões enquanto historiador. Qual a importância que
nós, cidadãos dessa chamada democracia moderna (ou pós-moderna,
como possam preferir alguns) damos ao direito de votar? Talvez seja
necessário reacender na memória de nossos concidadãos o histórico
de lutas que acompanham a conquista desse direito.
A formação da ideia de Nação no Brasil pós-independência ficou,
em grande medida, sob a responsabilidade, autoatribuída, de homens
da elite rural brasileira influenciada pelos ideais liberais que
chegavam da Europa e dos Estados Unidos. Predominava entre estes
homens o projeto de um governo estabelecido com bases moderadas, sem
os riscos de uma democracia. Exemplifica bem este momento as ideias
do Jornalista, Político e Poeta maranhense Odorico Mendes
(1789-1864) que afirmava a incapacidade do povo brasileiro em, por
meio do sufrágio universal, definir o destino da Nação.
A primeira Constituição brasileira, outorgada em 25 de março de
1824, veio consolidar os dois grandes projetos que marcaram o Governo
de D. Pedro I: a manutenção da unidade territorial e a exclusão da
massa das decisões políticas e econômicas. Com o estabelecimento
do voto censitário (só votava que comprovasse renda anual superior
a 100 mil réis), apenas uma pequena fatia pertencente à elite
possuía direitos políticos. No final do Império, apesar do Brasil
contar com uma população próxima dos 12 milhões, somente 1% tinha
participação nas eleições.
Já no período republicano, a Constituição de 1891 instituiu o
sufrágio universal. Uma ressalva: apenas 3% da população possuíam
os pré-requisitos exigidos para exercício do direito ao voto.
Estavam excluídos deste processo os menores de 21 anos, mendigos,
analfabetos, soldados e clérigos. Às mulheres também era vetado
este direito. O historiador José Murilo de Carvalho dizia que no
início da República “os acontecimentos políticos eram
representações em que o povo comum aparecia como espectador ou, no
máximo, como figurante”. Somente a partir da Constituição de
1934 que foi estabelecido o voto secreto, estendendo-se o direito às
mulheres (art. 108) e aos maiores de 18 anos. Continuavam privados
desse direito os analfabetos, mendigos, cabos e soldados.
Durante a Ditadura Militar (1964-1985) o pleno exercício do direito
de voto, por muitas vezes, não foi possível. O movimento a favor
das eleições diretas (1984) reuniu milhões de pessoas que lutavam
a favor do retorno da Democracia. Com a reabertura política, nessa
nova fase da história republicana do Brasil, foi promulgada em 5 de
outubro de 1988 a nova Constituição. A agência do Senado assim a
definiu: “a
Constituição
inaugurou um
novo arcabouço
jurídico-institucional
no país,
com ampliação
das liberdades
civis e
os direitos
e garantias
individuais. A
nova Carta
consagrou
cláusulas
transformadoras
com o
objetivo de
alterar relações
econômicas,
políticas e
sociais,
concedendo
direito de
voto aos
analfabetos e
aos jovens
de 16
a 17
anos”.
Por tudo que vimos, é importante que tenhamos consciência do quanto
de responsabilidade temos no ato de votar. É um direito, mas também
é um dever de todos escolher com responsabilidade os nossos
governantes.
Considero importante ressaltar que a intenção que nos guiou até
aqui não foi de criticar a propaganda eleitoral e/ou o marketing
político, que consideramos parte integrante e fundamental do
processo eleitoral, mas sim o de fazer um alerta à sociedade para
que esta possa exercer de forma plena e responsável seu direito de
eleitor. E então cada um deve se perguntar: “Será que eu
realmente sei votar?”.