terça-feira, 28 de junho de 2011

O POVO PODE/SABE VOTAR?












Esta semana um grande amigo meu (intelectual) me disse não ser a favor do sulfrágio universal. Para ele, o povão, por não ter consciência política, serve apenas como instrumento de manipulação dos corruptos que almejam o poder.
         Se vocês leram o 'post' "ANALFABETISMO", em que eu publiquei uma crônica do Machado de Assis, viram que a constatação de que poucos entendem o que acontece no mundo da política não é de hoje.
Bem, resolvi voltar um pouco no tempo e convidar outros ilustres a debaterem sobre o assunto. A seguir, trancreverei alguns trechos de minha dissertação de mestrado em que eu discuto exatamente esta questão. (Ninguém precisa se assustar, a leitura é simples)

Para o político e jornalista maranhense Odorico Mendes (1779-1864), o governo democrático era a segunda pior forma de governo, estando atrás apenas do Absolutismo. Afirmava que, nas democracias, os homens dotados de talento e virtude, dotados de luzes, eram governados pela parte “menos razoável e esclarecida (...) é a inveja e não a virtude a base da democracia”. (O ARGOS DA LEI. n. 16, 1825).
Em sua análise da América Latina, o professor LeslieBethell , PhD em História pela University of London, acaba por nos esclarecer que a preocupação de Odorico também era comum a defensores do liberalismo na América Espanhola. Ele afirmava que 'a desconfiança na capacidade política da massa da população refletiu-se nas qualificações dos cidadãos segundo a propriedade, estabelecidas em quase todas as constituições centralistas da década de 1820 e dos anos 1830'.
É importante lembrar que, de acordo com a Constituição Outorgada em 1824, o eleitor ou candidato deveria comprovar a posse de uma renda mínima anual. Apenas uma minúscula parcela pertencente à elite brasileira, os que preenchiam o pré-requisito estabelecido, de fato, tinham direitos políticos.
Poderíamos pensar que o discurso de Odorico era perpassado por uma ampla contradição, pois defende Rousseau e os princípios de um estado independente, ao mesmo tempo em que, define a democracia como o segundo pior sistema, pois entregar-se-ia o poder às massas desprovidas de capacidade política. Desta maneira, podemos inferir que Odorico, defendia uma espécie de forma de governo ateniense, em que somente as elites poderiam ser submetidas à participação nos rumos da nação, ou seja, uma política centrada nas elites, pois a maioria da população era desprovida de esclarecimento (razão iluminista). A grande questão discursiva de Odorico era: as massas não poderiam acessar o poder, pois eram desprovidas da razão iluminista, assim teriam que ser comandadas.
Outros nomes do liberalismo da América portuguesa e espanhola também concordavam que era necessário adequar o pensamento liberal às especificidades da realidade local. A exemplo do que fizera Mora (México) e Echeverría (Argentina) na América Espanhola, Odorico Mendes, no Maranhão, escrevia artigos onde adaptava o pensamento liberal ao ambiente do cenário nacional recém-independente.
Vejamos brevemente como Esteban Echeverría, José Luis Mora – estes dois segundo a historiadora Maria Lígia Prado, especializada em História da América Latina – e Odorico Mendes viam a questão da participação das massas nos governos de seus respectivos países:
Para Echeverría, era preciso preparar as massas para o desempenho das atividade políticas pela educação que lhes seria ministrada pelos que detinham as luzes. Assim, fecha-se o círculo dos eleitos para o exercício da democracia e determina-se que devem ficar de fora aguardando o consentimento dos ilustrados. No final do Texto, afirmava sem deixar dúvidas: ‘A soberania popular só reside na razão coletiva do Povo. O sufrágio universal é um absurdo’.
Segundo Luis Mora, para prevenir o perigo de uma nova rebelião camponesa, era necessário que o poder político estivesse nas mãos daqueles que possuíam qualidades adequadas para manter a ordem e também sensibilidade suficiente para precaver-se das ‘revoluções dos homens’, prescrevendo as ‘revoluções do tempo’. Para tanto, era mister que a soberania popular e a participação democrática fossem postergadas para o seu ‘devido tempo’, pala prudência e perspicácia dos governantes.O povo deveria aguardar e ter paciência, até que, por meio da educação, fosse preparado para exercer as liberdade políticas. Insistia: ‘o elemento mais necessário para prosperidade de um povo é o bom uso e exercício de sua razão, coisa que só se consegue pela educação das massas, sem as quais não pode haver governo popular’. 
Odorico foi categórico 'Em uma palavra, onde quer que o povo está de posse dos poderes políticos, o Estado traz consigo a própria ruína. A liberdade degenera em licença, e é seguida da anarquia. (O ARGOS DA LEI. n. 16, 1825)'.
Nesta passagem, Odorico retoma a ideia de que a liberdade seria uma paixão, justificando assim o controle racional por meio de leis restritivas. As massas populares do Brasil não poderiam, conforme Odorico, serem submetidas ao império da liberdade sem restrições, pois aí moraria a ruína nacional. Na verdade podemos inferir que o autor buscava legitimar o discurso de que as massa não poderiam participar dos processos decisórios, estes seriam papéis exclusivos dos homens letrados e “capazes” das elites.  "

Então, meus caros... devemos pregar o fim do sulfrágio universal? Ou a questão é outra? Qual? Será que vale a pena abrir mão desse que é considerado um referencial da democracia brasileira?
Vejam, minha intenção não é apresentar repostas... é levantar discussões.
Mas, diz aí: o povo pode/sabe votar?


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