quinta-feira, 16 de junho de 2011

[O ANALFABETISMO] - MACHADO DE ASSIS








OBS: Considerando o rítmo frenético dessas ultimas semanas, convido vocês a se deleitarem com com esta belíssima crônica de Machado de Assis. Notem que a publicação é de 1876, mas a discussão é extremamente atual.
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[O ANALFABETISMO]
"Gosto dos algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases: o algarismo não tem frases, nem retórica.
Assim, por exemplo, um homem, o leitor ou eu, querendo falar do nosso país dirá:
Quando uma constituição livre pôs nas mãos de um povo o seu destino, força é que este povo caminhe para o futuro com as bandeiras do progresso desfraldadas. A soberania nacional reside nas Câmaras; as Câmaras são a representação nacional. A opinião pública deste país é o magistrado último, o supremo tribunal dos homens e das coisas. Peço à nação que decida entre mim e o Sr. Fidélis Teles de Meireles Queles; ela possui nas mãos o direito a todos superior a todos os direitos.
A isto responderá o algarismo com a maior simplicidade:
A nação não sabe ler. Há 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler; desses uns 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles: é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele quer; nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha, – por divertimento. A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado.
Replico eu:
Mas, Sr. Algarismo, creio que as instituições …
As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político. Não se deve dizer: “consultar a nação, representantes da nação, os poderes da nação”; mas – “consultar os 30%, representantes dos 30%, poderes dos 30%”. A opinião pública é uma metáfora sem base: há só a opinião dos 30%. Um deputado que disser na Câmara: “Sr. Presidente, falo deste modo porque os 30% nos ouvem…” dirá uma coisa extremamente sensata.
E eu não sei que se possa dizer ao algarismo, se ele falar desse modo, porque nós não temos base segura para os nossos discursos, e ele tem o recenseamento."
Crônica de Machado de Assis - 15/agosto de 1876. 

Um comentário:

  1. Problema antigo... A ignorância política continua morando mesmo entre os letrados. A inacessibilidade do discurso resume o Estado Democrático de Direito aos "30%" quantificando a democracia, se é que se pode assim chamar. Conhecer a Constituição Federal, ressalto, vale para os letrados, o voto consciente e a fiscalização ainda mais consciente, dotando-os de capacidade argumentativa e posicionamentos centrados no bem coletivo.

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