Passeando pelas páginas do jornal português "PÚBLICO" encontrei um texto muito bem escrito que discute a 'intrigante' relação do povo português com um momento marcante de sua história (e nossa, por que não?): OS DESCOBRIMENTOS.
Pois é, pensei em apenas deixar o link do texto, mas optei por também publicá-lo na íntegra aqui no blog. (http://www.publico.pt/Cultura/continuamos-esmagados-pelos-descobrimentos--1564595?all=1)
Eis...
As
descobertas são o período da história que hoje parece dizer mais
aos portugueses, mas nem sempre foi assim. Se a escola não mudar,
aliás, elas correm
o risco de ser uma memória cada vez mais
distante. Feita de glórias de navegadores, mas também do trabalho
de homens comuns, de dúvidas e de corrupção.
O PÚBLICO começa
hoje uma série sobre o que nos liga ao mar.
Uma
data a decorar, um navegador feito herói, uma edição barata de Os
Lusíadas, um professor de História
que ficou, um livro com barcos naufragados, um infante que ganhou o
mundo e um rei que perdeu um país. No meio de tudo isto, o mar e os
territórios que os portugueses exploraram a partir do século XV. Um
mundo maior, mas sobretudo um mundo diferente. Em que pensamos
primeiro quando uma conversa passa pelos Descobrimentos? Por que
falamos sempre em império quando tivemos mais do que um? Por que
insistem os livros escolares em perpetuar mitos sobre a expansão e
as descobertas? Privilegiamos esta parte da história porque gostamos
de heróis ou porque precisamos deles?
Muitas
são as perguntas que surgem quando procuramos explicar a relação
especial que os portugueses mantêm com os Descobrimentos, mas será
que o conhecem? Será que é por ele que o mar tem um papel tão
importante na cultura portuguesa, no seu imaginário, ou é só
porque geograficamente Portugal é um país pequeno como uma costa
grande?
Fizemos
estas e outras perguntas a dois historiadores e a um poeta e
ensaísta. Quisemos saber, sobretudo, se os portugueses ainda estão,
de alguma forma, “esmagados” pela memória de uma época em que
tinham outro papel no mundo. Uma época em que havia Portugal em
todos os continentes.
É
verdade que hoje o público em geral identifica a época das
descobertas como a que mais importante foi para a história de
Portugal e, em particular, para a história de Portugal no mundo. Mas
isso não significa que os portugueses estejam permanentemente a
comparar o que são hoje com o que, segundo os livros de História
que levaram para escola, foram há mais de 500 anos. Mesmo se os
políticos recuperam ciclicamente essa herança em discursos e
comemorações.
Vasco Graça Moura, poeta e ensaísta que entre 1988 e 1995 presidiu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, reconhece que continuamos “marcados” pelo que Portugal foi capaz de fazer a partir do começo do século XV, mas que essa memória, tantas vezes de olhos fechados à dura realidade do dia-a-dia do país nessa época e carregada de mitificações, não molda o que somos hoje nem limita a leitura que fazemos do passado — ajuda, antes, a compreendê-lo.
Vasco Graça Moura, poeta e ensaísta que entre 1988 e 1995 presidiu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, reconhece que continuamos “marcados” pelo que Portugal foi capaz de fazer a partir do começo do século XV, mas que essa memória, tantas vezes de olhos fechados à dura realidade do dia-a-dia do país nessa época e carregada de mitificações, não molda o que somos hoje nem limita a leitura que fazemos do passado — ajuda, antes, a compreendê-lo.
“Temos
um peso, uma carga histórica”, começa por dizer sentado no seu
gabinete do Centro Cultural de Belém, de que é hoje presidente.
“Sabemos que tivemos importância em relação ao mar, aos caminhos
que ele abre. Isto mesmo quando não sabemos nada de história e não
lemos Os Lusíadas.
Por outro lado, há um sentimento de impotência disfarçada, de que
hoje só vivemos dificuldades e ainda não encontrámos uma maneira
de as ultrapassar, embora possamos pressentir que no mar pode estar a
chave para a solução de muitos problemas.”
Em
tempos de crise como a que a Europa atravessa, com duros reflexos em
Portugal, há uma certa tendência para fazer comparações
“disparatadas” entre um presente amargo e um “passado de
glória” que teve grandes protagonistas como o infante D. Henrique,
Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque ou Fernão de Magalhães, lembra
Graça Moura, histórico social-democrata que durante dez anos foi
eurodeputado.
Se
o tema dos Descobrimentos nunca saiu do discurso político, embora se
cometa muitas vezes o erro de pensar que a sua instrumentalização
se deveu sobretudo ao Estado Novo, é porque ele nunca saiu do
discurso cultural, em particular do da literatura, com nomes como
Fernando Pessoa, Vitorino Nemésio, Antero de Quental e Cesário
Verde, para além do óbvio Camões, por referências.
“No
discurso político há sempre um macaquear do discurso cultural”,
diz Graça Moura. “É evidente que um político quando se dirige
aos seus eleitores tem de dar a noção de que está conotado com o
passado deles, e que é herdeiro de uma determinada tradição
histórica e cultural. Faz parte da mise
en scène. Aqueles dois versos do
Pessoa — ‘Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de
Portugal!’ — não deve haver político nenhum que não os tenha
citado.”
Se hoje são os Descobrimentos o tema mais popular para o público não-especializado, isso não deve apagar o facto de a relação com esse período histórico nem sempre ter sido pacífica, lembra o historiador Rui Ramos. Para o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, é preciso não esquecer que Quental dizia que as descobertas eram uma das causas da decadência de Portugal e que Alexandre Herculano tentou lançar a formação do reino na Idade Média como a parte da história que mais devia interessar aos portugueses na época contemporânea. Essa aposta no Portugal medieval é recuperada, explica Ramos, a seguir a 1974, devido à descolonização, a um certo desinteresse da comunidade historiográfica pela expansão, e aos trabalhos de referência do professor José Mattoso. Só em 1998 os Descobrimentos voltam a ganhar mais terreno, com os festejos da viagem de Vasco da Gama à Índia.
Se hoje são os Descobrimentos o tema mais popular para o público não-especializado, isso não deve apagar o facto de a relação com esse período histórico nem sempre ter sido pacífica, lembra o historiador Rui Ramos. Para o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, é preciso não esquecer que Quental dizia que as descobertas eram uma das causas da decadência de Portugal e que Alexandre Herculano tentou lançar a formação do reino na Idade Média como a parte da história que mais devia interessar aos portugueses na época contemporânea. Essa aposta no Portugal medieval é recuperada, explica Ramos, a seguir a 1974, devido à descolonização, a um certo desinteresse da comunidade historiográfica pela expansão, e aos trabalhos de referência do professor José Mattoso. Só em 1998 os Descobrimentos voltam a ganhar mais terreno, com os festejos da viagem de Vasco da Gama à Índia.
“É
um tema muito central na nossa história. A expansão foi, no século
XX, em relação com a colonização de África, extraordinariamente
cultivada em termos de comemorações, de estudos”, explica,
sublinhando, tal como Graça Moura, que o regime de Salazar não foi
o único a servir-se ideologicamente dos Descobrimentos. A monarquia
constitucional celebrou em 1894 o quinto centenário do infante D.
Henrique e quatro anos mais tarde a viagem do Gama; em 1915, a
própria república fez comemorações, ainda que modestas, dos 500
anos da conquista de Ceuta. No que toca aos Descobrimentos, há uma
continuidade entre os regimes: “Tudo isso, obviamente, deixou um
lastro que explica também que o regime democrático, quando teve
oportunidade de fazer as suas primeiras grandes comemorações
históricas, se tenha focado nos Descobrimentos em 1998, com a
exposição internacional de Lisboa.”
Para
além de Gama
A
Expo ’98 foi certamente um grande momento de divulgação
internacional de Portugal, com a tónica posta num passado de glórias
de navegadores e vice-reis e num presente e num futuro de grande
modernidade. Os anos que a antecederam foram marcados pelo trabalho
de historiadores e outros especialistas que trouxe muitas novidades
ao que já sabíamos sobre os Descobrimentos, diz Graça Moura,
lembrando que é também sobre esta época que incidem as duas
grandes exposições internacionais que levaram a história de
Portugal e a sua arte ao público estrangeiro.
Jay Levenson é um historiador de arte que comissariou as exposições a que o poeta e ensaísta se refere — Circa 1492: Art in the Age of Exploration (National Gallery de Washington, 1991) e a mais recente Encompassing the Globe: Portugal and The World in the 16th and 17th Centuries (Sackler Gallery, Washington, e Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, em 2007 e 2009) — e que se habituou a olhar para as descobertas através “do encontro de culturas” que é visível na arte que se produziu na Ásia, em África ou na Europa a partir das primeiras viagens de exploração.
Levenson, que hoje é director do programa internacional do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e foi também o comissário de outra das grandes exposições internacionais de arte portuguesa ligada à expansão, The Age of The Baroque in Portugal (National Gallery, 1993), é da opinião que “os portugueses ainda sentem o peso da sua época de ouro”, mas que esse peso, “apesar de por vezes parecer levar a um certo arrependimento”, não precisa de ser esmagador. Especialista em arte italiana da Renascença, não consegue evitar a comparação: “É como Florença. O que os florentinos foram capazes de fazer no século XV e no começo do XVI foi tão extraordinário para uma cidade-Estado tão pequena que não poderia ter durado para além de Galileu e nunca poderia ter sido repetido. Mas os florentinos têm nisso um grande orgulho, sem se lamentarem pelo facto de já não poderem desempenhar o mesmo tipo de papel no mundo. Parecem-me um bom modelo para Portugal.” Para Levenson, e tomando os Estados Unidos como exemplo, o público em geral está longe de ter noção da verdadeira importância que Portugal teve no mundo nos séculos XVI e XVII. É preciso que sejam os portugueses a fazer mais para que os alunos nos Estados Unidos e até em países europeus passem além de Vasco da Gama e do infante D. Henrique e percebam até que ponto foram essenciais para dar a ver um mundo novo, sobretudo em África e na Ásia. “Poucos são os alunos americanos que sabem que os portugueses chegaram à China em 1514”, diz. Poucos são os alunos portugueses, acrescentariam Graça Moura e Rui Ramos.
Jay Levenson é um historiador de arte que comissariou as exposições a que o poeta e ensaísta se refere — Circa 1492: Art in the Age of Exploration (National Gallery de Washington, 1991) e a mais recente Encompassing the Globe: Portugal and The World in the 16th and 17th Centuries (Sackler Gallery, Washington, e Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, em 2007 e 2009) — e que se habituou a olhar para as descobertas através “do encontro de culturas” que é visível na arte que se produziu na Ásia, em África ou na Europa a partir das primeiras viagens de exploração.
Levenson, que hoje é director do programa internacional do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e foi também o comissário de outra das grandes exposições internacionais de arte portuguesa ligada à expansão, The Age of The Baroque in Portugal (National Gallery, 1993), é da opinião que “os portugueses ainda sentem o peso da sua época de ouro”, mas que esse peso, “apesar de por vezes parecer levar a um certo arrependimento”, não precisa de ser esmagador. Especialista em arte italiana da Renascença, não consegue evitar a comparação: “É como Florença. O que os florentinos foram capazes de fazer no século XV e no começo do XVI foi tão extraordinário para uma cidade-Estado tão pequena que não poderia ter durado para além de Galileu e nunca poderia ter sido repetido. Mas os florentinos têm nisso um grande orgulho, sem se lamentarem pelo facto de já não poderem desempenhar o mesmo tipo de papel no mundo. Parecem-me um bom modelo para Portugal.” Para Levenson, e tomando os Estados Unidos como exemplo, o público em geral está longe de ter noção da verdadeira importância que Portugal teve no mundo nos séculos XVI e XVII. É preciso que sejam os portugueses a fazer mais para que os alunos nos Estados Unidos e até em países europeus passem além de Vasco da Gama e do infante D. Henrique e percebam até que ponto foram essenciais para dar a ver um mundo novo, sobretudo em África e na Ásia. “Poucos são os alunos americanos que sabem que os portugueses chegaram à China em 1514”, diz. Poucos são os alunos portugueses, acrescentariam Graça Moura e Rui Ramos.
Mitos do império
Para
o antigo presidente da Comissão dos Descobrimentos, a escola tem
tido, sobretudo devido a uma grande flutuação de metodologias, uma
“papel extremamente negativo” na relação dos portugueses com o
seu património cultural, seja no plano da língua, seja no da
história. Ramos defende que os programas escolares não têm sabido
seduzir os alunos para o estudo da História, perpetuando mitos, e às
vezes nem isso.
E
de que mitos falamos? A Escola de Sagres, os Descobrimentos como um
desígnio nacional mais do que um projecto da coroa e das elites que
a rodeavam, a expansão com uma causa só e não como uma fenómeno
altamente complexo e variado, a existência de um império, em
contínuo. “Houve vários impérios, com curtos-circuitos”, diz o
investigador do ICS. “Esse é outro dos mitos que podemos associar
à história imperial — o de que o império começou em 1415 e
terminou em 1975, ou em 1999 com Macau, ou em 2002 quando Timor se
tornou independente. Todo o império africano é recente e efémero.
Vem do fim do século XIX e dura 70, 80 anos e, nalguns casos, ainda
menos.”
O que os livros de escola habitualmente não contam — ou pelo menos não exploram tanto como os feitos militares e náuticos — é que os portugueses foram desalojados do Oriente a partir do século XVII porque não tinham meios para competir com as outras nações, que o país chegou a estar perto da bancarrota em meados do século XVI e que, no quotidiano, os portugueses anónimos que fizeram a expansão viviam mal e estavam longe de pensar no seu tempo como uma época de ouro. “Era para as dificuldades que toda a gente olhava”, diz o historiador, mas, com o tempo, “as dificuldades do passado desaparecem e são as do presente que nos fascinam. Temos a tendência para projectar no passado a ideia de que não havia dificuldades, que é agora que estamos a decair, o que é ridículo”. Mesmo em termos contabilísticos, explica, o Brasil do século XVII e XVIII era muito mais importante do que a Índia do século XVI, mas foi a Índia que ficou na memória como a grande expansão.
O que os livros de escola habitualmente não contam — ou pelo menos não exploram tanto como os feitos militares e náuticos — é que os portugueses foram desalojados do Oriente a partir do século XVII porque não tinham meios para competir com as outras nações, que o país chegou a estar perto da bancarrota em meados do século XVI e que, no quotidiano, os portugueses anónimos que fizeram a expansão viviam mal e estavam longe de pensar no seu tempo como uma época de ouro. “Era para as dificuldades que toda a gente olhava”, diz o historiador, mas, com o tempo, “as dificuldades do passado desaparecem e são as do presente que nos fascinam. Temos a tendência para projectar no passado a ideia de que não havia dificuldades, que é agora que estamos a decair, o que é ridículo”. Mesmo em termos contabilísticos, explica, o Brasil do século XVII e XVIII era muito mais importante do que a Índia do século XVI, mas foi a Índia que ficou na memória como a grande expansão.
Não
vivemos esmagados nem oprimidos pelo que Portugal foi nos
Descobrimentos, garante Rui Ramos, mas gostamos de falar deles como
quem gosta de contar uma boa história.
“Portugal
é hoje muito mais rico e desenvolvido do que alguma vez foi no tempo
dos Descobrimentos, mesmo em relação a outros países europeus. Mas
a nossa ideia é de que éramos grandes então e agora somos pequenos
e pobres, o que não tem nenhuma razão de ser, embora se
compreenda.” Porquê? “É mais uma vez o fascínio da aventura,
da proeza, da afirmação militar, das grandezas do Afonso de
Albuquerque e de D. Francisco de Almeida. Isso continua a fascinar,
mesmo quando nós não gostamos de o confessar. Essas são as grandes
histórias que podemos contar. A grande história não é a da
formação do Bloco Central entre 1983 e 84, com Mário Soares e Mota
Pinto. A grande história é dobrar o cabo da Boa Esperança, a
grande história é chegar à Índia, a grande história é
conquistar Goa, a grande história é defender o Brasil dos
holandeses… A grande história é a das aventuras, com emoção, a
história que abre horizontes. As aventuras são matéria de filme e
de romance, é a aventura que as pessoas procuram, verem na história
algo de diferente do que é o quotidiano.” É talvez por isso que o
discurso sobre o contacto de civilização e o progresso científico
que os portugueses trouxeram ao mundo é subalternizado pela
narrativa feita de heróis e batalhas, algo que é altamente
empobrecedor, na opinião de Graça Moura. “Há uma dimensão
humana, que até tem a ver com a própria noção de mestiçagem, que
é fundamental em relação aos Descobrimentos. Há até um
historiador francês que diz que somos todos bastardos e mestiços e
que é por isso que somos inteligentes. Efectivamente, essa relação,
no plano antropológico, no plano civilizacional, devia ser mais
valorada e não tem sido.”
De
fora ficam muitas vezes os relatos dos cidadãos que arriscaram tudo
pela viagem, os meandros da corrupção na Índia e a desorganização
nalguns territórios, lembra o ensaísta. Ramos defende que, se
mostrássemos mais que esta não foi uma época de semideuses, mas de
pessoas comuns que muitas vezes tiveram medo e dúvidas, que muitas
vezes hesitaram e outras arriscaram, talvez os Descobrimentos
tivessem ainda mais peso na cultura portuguesa e não fossem um tema
fechado nos livros. Ou uma “memória cada vez mais distante”,
como diz Graça Moura, uma memória que corremos o risco de perder.
Para
Rui Ramos, em Portugal reflectiu-se pouco sobre esta época, ao
contrário do que se passou com outros países europeus que
participaram na expansão entre os séculos XV e XX. Apesar de terem
problemas na sua relação com este passado, França, Espanha ou
Inglaterra “fizeram desta dimensão da sua história uma dimensão
fundamental na sua relação com o mundo, pela projecção da língua
e da cultura”, o que não aconteceu em Portugal, onde “os debates
não foram tão intensos”.
Ascensão e queda
Jay
Levenson defende que estes países sentem o mesmo tipo de “nostalgia”
de Portugal, mas, como têm uma história recente mais próspera,
“essa nostalgia é mais contida”: “O peso é maior porque a
ascensão e queda de Portugal foi mais dramática. Apesar de o seu
desenvolvimento ter sido interrompido no final do século XVI,
Portugal tem um segundo período de prosperidade imperial no século
XVIII, o que faz com que, na verdade, sinta uma dupla perda.” Tal
como Graça Moura, o historiador de arte norte-americano vê na
língua uma extensão desse passado que pode ser promovida no
presente, com grandes vantagens para o país, culturais e
económicas.
O
facto de haver cada vez mais investigadores estrangeiros a olhar para
este período — é preciso não esquecer que foi uma área que
sempre teve grandes contributos exteriores, como o do historiador
inglês Peter Russell (primeira biografia do infante D. Henrique) ou
o do indiano Sanjay Subrahmanyam (grande estudioso de Vasco da Gama),
sublinha Ramos — pode ajudar a manter viva a memória dos
Descobrimentos, mas dando-lhe uma nova perspectiva.
“Continuamos
a ser actores da globalização quando vendemos uma empresa aos
chineses ou fazemos um investimento no Brasil. É claro que não é o
mesmo que chegar à Índia ou dobrar o cabo da Boa Esperança. No
século XV e no século XVI há um protagonismo que permitiu aos
portugueses reivindicar um papel numa história universal, mas essa
também é uma história contada do ponto de vista dos europeus. Um
dia ela poderá vir a ser contada pelos chineses e tudo isto pode ter
uma dimensão bastante mais restrita e, provavelmente, o papel que
julgávamos que tínhamos deixaremos de ter.” Mais uma vez, estamos
sempre a valorizar em função do nosso tempo, adverte o historiador.
“E neste momento temos já a sensação de estarmos a valorizar em
função de um tempo anterior em que a Europa teve um peso no mundo
absolutamente desproporcionado. Sobretudo entre o fim do século
XVIII e o princípio do século XXI, o mundo foi quase Europa, antes
não era e agora também já não é.” E como verão os portugueses
este período daqui a 100 anos? Vai depender muito do mundo em que
viverem, diz. “É muito difícil não apenas adivinhar o futuro,
mas adivinhar a maneira como o passado há-de ser visto no futuro. Às
vezes o passado é tão incerto como o futuro. As pessoas julgam que
o passado está fixo e que o futuro é que é uma coisa que ainda não
está decidida — é uma ilusão.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário